sexta-feira, 4 de novembro de 2011

NadAR e o Prazer de FlutuAR na ÁGUA



Eu tinha medo, muito medo no início. Custava-me a crer que tivesse vindo do líquido, a água afligia-me quando chegava ao peito. Mas fascinava-me a imensidão salgada, o cheiro da maresia, e queria mergulhar sem medo, de olhos abertos. Mariquinhas… ano após ano, tentei e melhorei. Ao meu ritmo, a conversar com as ondas. O que é uma onda senão espírito do mar, arrepio de alegria? (Sim, eu sei que existem ondas zangadas, o melhor é não nos metermos com essas. O Mar é para admirar e respeitar.)
Decidi que havia de ser peixe e esforcei-me para controlar a respiração e nadar na água doce (que de doce não tem nada, mais sabor insípido e um cheiro intenso a cloro que me faz sempre espirrar. Gosto muito mais do tempero do mar). Descobri então que não tenho vocação para peixe, nem guelra, nem elegância, mas consigo movimentar-me de um lado para o outro, dentro de água. Longe de possuir a graciosidade de um cisne ou a sensualidade de uma bailarina aquática, sou Foca (arraçada de lontra) trapalhona e brincalhona, e duvido que venha a conseguir agilidade de Golfinho, muito menos incisividade de Tubarão. Mas isso não me preocupa nem me impede de tentar aprender a fazer melhor, com mais eficácia, aprimorar a técnica, aumentar a resistência e diminuir o atrito. Treino, aprendo a respirar para me deslocar melhor e com menos esforço no meio aquático. Fora de água é tão fácil, tão instintivo que não damos importância nenhuma ao que é vital – usamos o Ar e nem lhe agradecemos a existência. Mas eu descobri a importância de Bem-Respirar com a Água, gerir a Inspiração e a Expiração.
Ó Ar, agradeço a tua existência, por me permitires respirar! Não sei viver sem ti, nem um minuto consigo passar, ó Ar!
Admiro toda a leveza que o ambiente líquido permite, uma reinterpretação da gravidade, da realidade. Os sentidos submersos têm outras prioridades, reina o tato em detrimento do olfato; a água anula o gosto, muda a visão e deturpa a audição. Admiro a natação sincronizada, os saltos perfeitos para a imensidão líquida e embora esteja a milhões de léguas submarinas, lá vou tentando aproximar-me dessa Beleza. Definitivamente, acho muito mais fácil e rápido nadar de costas, mas isso é provavelmente porque ainda não me dediquei completamente à mariposa. Desenrasco-me de bruços, consigo coordenar instintivamente a respiração, maximizar os movimentos de braços e as pernas, como um sapo, tudo flui naturalmente, agora crawl… que raio que mania de respirar debaixo do sovaco é aquela? Aquilo tem alguma coisa de instintivo? Eu bem tento, respirar só para um lado, respirar para os dois alternadamente, mas acabo por inspirar quando não devia e lá me entra a água toda pelo nariz e pela boca, engasgo-me e perco completamente o ritmo. E “crawl”… que espécie de aberração é essa? Eu não quero “rastejar” na água, quero deslizar! (Mas pronto, estou a tentar…)
Gosto de ficar a flutuar, gosto da Paz que isso me dá. Na água doce clorificada é mais difícil manter-me a flutuar sem me movimentar, mas tento ficar o mais imóvel possível, a ouvir apenas a respiração e a água a ceder sob o meu peso, a vir mais ao de cima quando inspiro – é giro – encho os pulmões de ar e mergulho, a libertar milhares de bolhas a cada expiração!
Na água salgada, quanto mais sal tiver, mais fácil se flutua. Dizem que há águas tão salgadas que tornam impossível que alguém se afogue nelas, mas eu tenho as minhas dúvidas, porque basta o pânico e até um alguidar pode ser perigoso.
Mas a água já não me mete medo. Venço-a ou deixo-me ir com ela quando me canso (o corpo é mais leve dentro de água, mas o movimento tem de vencer o atrito e uma braçada ou uma pernada lá dentro, custa bem mais que vencer o ar cá fora. Com calma, a respirar. Descontrai, relaxa, regula o sono pelo cansaço. Hei-de conseguir “rastejar” como deve ser. Hei-de conseguir dominar a técnica e continuar a respeitar e admirar a Água, tão elementar e essencial à Vida quanto o Ar.

Água viva fecundante que chove na Terra
descida dos Céus, mata-me a sede
e lava-me a alma!

Alimenta as flores com o teu orvalho
do cimo da montanha nascente
a rasgar o leito dos Rios
para se fundir com o Mar!
E em brumas de espuma salgada,
sobe de novo às nuvens até evaporar!
Bem-hajas, ó Água!


música: Tchaikovsky, O Lago dos Cisnes (excerto)

foto: Getty Images (leão marinho do Alasca)

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4 comentários:

dermatologistested disse...

que bom é superar medos e receios! beijo em apneia. :)

carpe vitam! disse...

aprender e notar a evolução - é coisa para sentir que estamos vivos, não?

anarresti disse...

:D sim, é isso mesmo. quando podemos evoluir assim, é porque estamos vivos, jovens, "alive and kicking" :D

carpe vitam! disse...

é mesmo! nada como pôr o corpo à prova para sentir a vida a pulsar! O mais incrível é que coisas que à partida parecem impossíveis de se conseguir, acontecem se nos esforçarmos, se nos disciplinarmos. continuo a não gostar de crawl, mas já o consigo fazer com um mínimo de destreza, a respirar de 3 em 3 braçadas (2 em 2 acho muito desequilibrado). é cansativo, mas acontece :) em setembro já começo a nadar com os "golfinhos" :) quero aprender a virar como deve ser e mariposa. quero melhorar o mergulho, enfim, ainda tenho muito que praticar! :D